O BEM COMUM

Ao completar a trilogia em torno do Bem Comum, iniciada em 2012,  esta  46a edição do Festival de Inverno da UFMG  busca implicar ainda mais a universidade nos dilemas que atravessam os nossos modos de vida em comum, fraturados por persistentes processos de exclusão e de produção da desigualdade  – pensemos no acesso à educação e nos problemas da moradia urbana – e por outros que se renovam tragicamente nos dias de hoje,  como é o caso do genocídio que atinge as populações indígenas.  Tradicionalmente identificado com o universo das artes e da produção cultural, podemos indagar porque um festival de inverno se preocuparia também com tais temas. Para nós, este Festival oferece­ modos possíveis da universidade se engajar na invenção de outras práticas e imaginários para a vida em comum, oferecendo-se, ela mesma,  como um território experimental aberto às práticas e saberes que não exclusivamente aqueles dos seus professores,  estudantes, funcionários e pesquisadores.

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Como a universidade poderia romper as cercas e grades que separam-na da sua vizinhança e  se inserir nas diversas iniciativas que atualmente buscam reinventar os espaços públicos? Trata-se, em pequena escala, de inventar a reciprocidade que a universidade deve à comunidade à qual pertence, mas da qual ela própria tantas vezes se defende e se protege.  Queremos que o campus se torne um espaço tomado por ocupações livres e democráticas  dos espaços públicos, povoado por formas de sociabilidade e de conhecimento irrigadas pelas múltiplas manifestações da alteridade, em especial aquelas provenientes das culturas indígenas, afrodescendentes e urbanas.

Nessa semana do Festival, o campus abrigará hortas comunitárias e feiras para trocas de mudas e sementes;  banquetes públicos com os sabores dos Reinados do Rosário, das aldeias, dos quilombos e dos terreiros; espaços percorridos por bicicletas e por transporte público de tarifa zero; matas para trilhas e para os rituais de culto às divindades; lugares organizados pela coleta seletiva do lixo e pela reciclagem; parques públicos para as muitas formas de lazer e diversão; e palcos livres para  diversas apresentações artísticas. Ao promover tais atividades, queremos propiciar o surgimento de iniciativas que alterem o uso que habitualmente damos ao campus. Para além do seu uso funcional e cotidiano, ele não poderia, por exemplo, abrigar praças, parques, ciclovias e lugares diversificados para os esportes e o lazer, oferecidos à população da cidade? Além disso, não caberia à universidade pública expandir a fruição das invenções da arte e do pensamento como uma alternativa ao mercado de consumo dos produtos culturais, guiado pela lógica da lucro e da segmentação calculada de seus públicos?

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Queremos que o campus se torne verdadeiramente um território habitado por diversos ensaios de outra vida em comum, povoado por múltiplas vozes, cantos, línguas e discursos; um espaço pluri-étnico e livre, capaz de acolher a diversidade dos modos de existir e de pensar, na contra-corrente do que hoje vive nosso país.  Sabemos muito bem o quanto o desenvolvimento desenfreado das monoculturas e da industrialização (com a destruição irreparável que as acompanha) – submetidas às epistemes excludentes que norteiam os rumos da ciência e da tecnologia – tem exterminado a diversidade dos modos de vida e de pensamento entre nós. Gostaríamos, portanto, de que nesse território transformado se fizessem ouvir as vozes e os desejos daqueles que são, cotidianamente, desalojados dos seus lugares de pertencimento, seja nas florestas, no campo e nas cidades. Daí o lugar central que o Festival concedeu às ocupações: indígenas, quilombolas e urbanas. Elas são, verdadeiramente, criações que procuram inventar outra vida em comum e que nos inspiram a criar novos modos de habitar e povoar um território.

4 comentários sobre “O BEM COMUM

  1. Que Universidade seja realmente o lugar da diversidade e o exemplo de convivência multicultural, onde se possa discutir as mazelas sociais e encontrar meios de solucioná-las.

  2. Que legal espero poder partilhar e contribuir para que nosso lugar seja agradavel, criativo e saudavel em todo contexto da palavra.

  3. Que iniciativa maravilhosa esta da UFMG. O encontro do saber acadêmico com a sabedoria e os conhecimentos do povo que foi passado de geração em geração, o saber popular que esta se perdendo no tempo. Este é o grande papel da academia, abrir as portas para a cultura popular e provocar esta grande interação entre os saberes.

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